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Sermão 1

Sermão 1


Salvação pela fé[1]

Efésios 2.8

Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé,


1. Todas as bênçãos que Deus tem dado ao ser humano vêm unicamente da sua graça, liberdade e favor. Vêm do seu favor imerecido, totalmente imerecido, visto que não temos direito algum a menor das suas misericórdias. Foi por pura e livre graça que Deus formou o homem do pó da terra e soprou em suas narinas o fôlego de vida,[2] e pôs sobre essa alma o selo da imagem divina, e colocou tudo debaixo dos seus pés.[3] É a mesma graça que mantém em nós até o dia de hoje a vida, a respiração, e todas as coisas. Porque nada que sejamos, ou tenhamos, ou façamos, nunca merecerá a menor dádiva divina. Porque também fizeste em nós todas as nossas obras.[4] Todas estas coisas não são senão outras tantas provas da gratuita misericórdia de Deus. E qualquer justiça ou retidão que o ser humano tenha isso também é dom de Deus.


2. Com o que, pois, poderá o pecador expiar o menor dos seus pecados? Com as suas próprias obras? Não. Por muitas e santas que estas fossem não são suas, mas de Deus. Por si mesmas, são iníquas e pecaminosas e, portanto, cada uma delas requer uma nova expiação. A má árvore não pode dar senão frutos podres. O coração humano está completamente corrompido e isto é uma coisa abominável; ele se encontra destituído da glória de Deus,[5] dessa gloriosa justiça que foi inicialmente impressa sobre a sua alma, segundo a imagem do seu grande Criador. Não tendo mais o que alegar nem justiça ou obras, a boca emudece diante de Deus.


3. Agora, se o pecador encontra favor diante de Deus, isto é graça sobre graça.[6] Todavia, se Deus se presta a derramar sobre nós novas bênçãos (sim, e a maior delas é a salvação) que temos a dizer senão “graças a Deus pelo seu dom inefável!”?[7] Nisto Deus mostra o seu amor para conosco, em que sendo ainda pecadores, Cristo morreu por nós.[8] Assim, pela graça vocês são salvos, por meio da fé.[9] A graça é a fonte, e fé é a condição da salvação.


Portanto, nos incumbe a fim de alcançar a graça de Deus, investigar cuidadosamente.


I. Mediante qual fé somos salvos.

II. Que tipo de salvação é resultante dessa fé.

III. Como responder a certas perguntas.


I. Mediante qual fé somos salvos

1. Em primeiro lugar, não é só a fé de um pagão. Deus requer que o pagão creia que ele existe e que recompensa aqueles que o buscam,[10] que se deve buscá-lo glorificando e louvando a Deus por todas as coisas[11] e mediante a prática cuidadosa da virtude moral, da justiça, da misericórdia e da verdade para todas as suas criaturas. Portanto, um grego ou um romano, um cita ou um indiano, não têm desculpas caso não creiam pelo menos nisto: o ser e os atributos de Deus, um estado futuro de recompensa e castigo, e o caráter obrigatório da virtude moral. Pois isto não é mais que a fé de um pagão.


2. Tampouco é, em segundo lugar, a fé de um demônio, ainda que tal fé vá mais longe que a do pagão. Porque o demônio crê, não só que há um Deus sábio e poderoso, que exerce graça no recompensar e justiça no castigar, mas também que Jesus é o Filho de Deus, o Cristo, o Salvador do mundo. Assim, o vemos declarando explicitamente: eu sei quem tu és, o Santo de Deus.[12] Tampouco podemos duvidar que esse infeliz espírito crê em todas as palavras que saíram da boca do Santo de Deus, ou que crê no que foi escrito pelos antigos santos, sobre dois dos quais se viu obrigado a dar glorioso testemunho ao dizer: Estes homens, que anunciam o caminho da salvação, são servos do Deus Altíssimo.[13] Tudo isto crê o grande inimigo de Deus e dos homens, e treme ao crer que Deus se manifestou em carne,[14] que colocará todos os seus inimigos debaixo de seus pés,[15] e que toda a Escritura é inspirada por Deus.[16] Até aqui chega a fé do diabo.


3. Em terceiro lugar, a fé pela qual somos salvos, no sentido da palavra que se explicará mais adiante, não é somente a que os apóstolos tiveram enquanto Cristo esteve na terra, apesar de crerem nele de tal modo a deixarem tudo e o seguir, e apesar de terem o poder de fazer milagres e de curarem toda enfermidade e toda doença.[17] Sim, apesar de terem poder e autoridade sobre todos os demônios[18] e, ainda mais do que isso, foram enviados por seu Senhor a pregar o evangelho de Deus. Mas ao retornar de todas estas grandes obras, seu Senhor mesmo lhes chama “geração incrédula”.[19] E lhes diz que não puderam expulsar um demônio por causa da sua incredulidade. Mais tarde, crendo que já tinham alguma fé, lhe pedem: “aumenta nossa fé”, e ele lhes diz claramente que desse tipo de fé nada tinham, nem mesmo uma semente de mostarda: “Então o Senhor disse: ‘se vocês tivessem fé como uma semente de mostarda, poderão dizer a este sicômoro: ‘Arranque-se, e plante-se no mar; e ele obedeceria’”.[20]


4. Qual é, então, a fé pela qual somos salvos? Em geral e primeiramente, podemos responder que é a fé em Cristo – fé cujos únicos objetos são Cristo e Deus por meio de Cristo. Nisto se distingue esta fé absoluta e suficiente da fé dos pagãos tanto antigos como modernos. E da fé de um demônio se distingue completamente por isto: que não se trata somente de um consentimento especulativo, racional, frio e sem vida, de uma série de ideias na cabeça, mas também de uma disposição do coração. Porque como diz a Escritura com o coração se crê para justiça. E se você confessar com a tua boca que Jesus é o Senhor; e crer em seu coração que Deus o levantou dos mortos, será salvo.[21]


5. E nisto se distingue da fé que os apóstolos tinham enquanto o nosso Senhor esteve sobre a terra: em que se reconhece a necessidade e os méritos da morte do Senhor, e o poder da sua ressureição. Reconhece a sua morte como o único meio suficiente para salvar o ser humano da morte eterna, e sua ressurreição como a restauração de todos nós à vida e imortalidade, visto que foi entregue por nossas transgressões e ressuscitado para nossa justificação.[22] Portanto, a fé cristã não é só consentimento a todo o Evangelho de Cristo, mas também uma confiança plena no sangue de Cristo, uma esperança firme nos méritos de sua vida, morte e ressureição, um descansar nele como nossa expiação e nossa vida, como aquele que foi dado por nós e vive em nós. É uma confiança segura que o ser humano tem em Deus, que mediante os méritos de Cristo os seus próprios pecados têm sido perdoados, e que ele é o único a lhe reconciliar ao favor divino. É, em consequência disso, um aproximar-se e agarrar-se a ele como nossa sabedoria, justificação, santificação e redenção[23] ou, em uma só palavra, como nossa salvação.


II. Que tipo de salvação é resultante dessa fé


1. Em primeiro lugar, a parte de tudo que possa implicar isso se trata de uma salvação presente. É algo que pode se alcançar, sim, que de fato se alcança sobre a terra, por parte daqueles que participam dessa fé. Porque assim disse o Apóstolo aos crentes de Éfeso, e através deles aos crentes de todas as eras, não “vocês serão salvos” (ainda que isso também seja verdade), mas “vocês são salvos por meio da fé.”


2. São salvos (para dizer em uma só palavra) do pecado. Tal é a salvação mediante a fé. Esta é a grande salvação anunciada pelo anjo antes que Deus trouxesse o seu Unigênito ao mundo: chamará seu nome Jesus, porque ele salvará o seu povo dos seus pecados.[24] E nem ali ou em nenhum outro lugar das Sagradas Escrituras aponta-se limite ou restrição alguma. Ele salvará todo seu povo dos seus pecados, ou como diz em outro lugar, a todos os que creem nele. Os salvará do pecado original e atual, passado e presente, da carne e do espírito. Mediante a fé que está nele, eles são salvos da culpa e do poder do pecado.


3. Primeiramente, são salvos da culpa de todo pecado passado. Porque todo o mundo está sob o juízo de Deus,[25] já que se Deus olhasse os pecados, quem, ó Senhor, poderá ficar em pé?,[26] e visto que, por meio da lei vem o conhecimento do pecado, mas não a libertação do seu poder, de tal modo que pelas obras da lei nenhum ser humano será justificado diante dele, agora a justiça de Deus por meio da fé em Jesus Cristo se tem manifestado a todos os que creem. Agora estão justificados gratuitamente por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, a quem Deus pôs como propiciação por meio da fé em seu sangue, para manifestar sua justiça, por ter tolerado, em sua paciência, os pecados passados.[27] Cristo nos redimiu da maldição da lei, fazendo-se por nós maldição.[28] Ele fez isto anulando o escrito de decretos que havia contra nós, que nos era contrário, removendo-o do nosso meio, e encravando-o na cruz.[29] Agora, pois, nenhuma condenação há para os que creem em Cristo Jesus.[30]


4. Estando salvos da culpa, estão livres do temor. Não do temor filial de ofender, mas de todo temor servil; desse medo que atormenta, do medo do castigo, da ira de Deus, a quem já não consideram como um Senhor severo, mas como um Pai indulgente, porque não têm recebido espírito de escravidão para estar outra vez em temor, mas o espírito de adoção, pelo qual clamamos: Abba, Pai! O mesmo espírito dá testemunho ao seu espírito, de que são filhos de Deus.[31] Também estão salvos do temor, ainda que não da possibilidade de cair da graça de Deus e, por isso, de não alcançar as suas grandes e preciosas promessas. Estão selados com o Espírito Santo da promessa, que é o penhor da sua herança.[32] Por isso há paz para com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo... se gloriam na esperança da glória de Deus... e o amor de Deus tem sido derramado em seus corações pelo Espírito Santo que lhes foi dado.[33] Por isso estão seguros (ainda que não sempre, nem com a mesma segurança) de que nem a morte, nem a vida, nem anjos, nem principados, nem potestades, nem o presente, nem o porvir, nem altitude, nem profundeza, nem alguma outra coisa criada poderá os afastar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus Senhor nosso.[34]


5. Mais uma vez, mediante esta fé estão salvos do poder do pecado, assim como da sua culpa. Assim afirma o Apóstolo: E sabeis que ele apareceu para tirar nossos pecados, e não há pecado nele. Todo aquele que permanece nele, não peca. E diz ainda: Filhinhos, ninguém engane vocês... quem pratica o pecado é do diabo.[35] Todo aquele que crê... é nascido de Deus.[36] E todo aquele que é nascido de Deus, não pratica o pecado, porque a semente de Deus permanece nele; e não pode pecar, porque é nascido de Deus.[37] E sabemos que todo aquele que tem nascido de Deus, não pratica o pecado, pois aquele que foi gerado de Deus o guarda, e o maligno não o toca.[38]


6. Quem por fé nasceu de Deus, não peca.[39] 1) Não peca por pecado habitual, visto que todo pecado habitual é o pecado que reina, e o pecado já não reina em quem crê. 2) Tampouco peca voluntariamente, visto que enquanto permanecer na fé a sua vontade se opõe a todo pecado, que odeia como um veneno mortal. 3) Nem peca por desejo pecaminoso, visto que continuamente deseja a santa e perfeita vontade de Deus, e pela graça de Deus sufoca todo desejo pecaminoso desde o seu princípio. 4) Nem peca por fraqueza, em atos, palavras ou pensamento, porque a sua vontade não coincide com a sua fraqueza, e sem o consentimento da vontade não há pecado propriamente dito. Logo, todo aquele que é nascido de Deus, não pratica o pecado.[40] E mesmo que não possa dizer que não tem pecado, agora não pratica o pecado.


7. Tal é a salvação por meio da fé, que se dá no presente mundo: uma salvação do pecado e das suas consequências. Isto é o que significa a palavra “justificação”, que em seu sentido mais amplo inclui a libertação da culpa e do castigo mediante a expiação de Cristo aplicada à alma do pecador que crê nele, e inclui também a libertação do poder do pecado mediante Cristo formado no coração.[41] Assim, quem tem sido justificado ou salvo mediante a fé, verdadeiramente nasceu de novo. Nasceu de novo do Espírito,[42] para uma nova vida que está escondida com Cristo em Deus.[43] E como criança recém-nascida recebe o verdadeiro, o leite espiritual não adulterado, e por isso cresce,[44] no poder da força do Senhor,[45] de fé em fé,[46] graça sobre graça,[47] até chegar a um varão perfeito, a medida da estatura da plenitude de Cristo.[48]


III. A primeira objeção comum a tudo isso


1. Que pregar a salvação ou a justificação mediante a fé equivale a pregar contra a santidade e as boas obras. A isto se pode responder brevemente: seria assim o caso se pregássemos, como alguns fazem, uma fé que não tem nada haver com a santidade e as boas obras. Todavia, não falamos de tal fé, senão de uma fé que necessariamente leva a toda santidade e a toda boa obra.


2. Mas, possivelmente, pode valer a pena considerar isto com mais cuidado, especialmente porque não se trata de uma objeção nova, mas uma objeção tão antiga como nos tempos de São Paulo, quando já se dizia: “Logo pela fé invalidamos a lei?”[49] Respondemos, em primeiro lugar, que aqueles que não pregam a fé são os que realmente invalidam a lei, tanto diretamente como abertamente, com explicações e comentários que destroem o sentido do texto, ou indiretamente, ao não ensinar o único meio de cumpri-la. E, em segundo lugar, respondemos que nós confirmamos a lei mostrando todo o seu alcance e sentido espiritual, chamando todos a esse modo de viver, mediante o qual a justiça da lei se cumpre em nós.[50] Estas pessoas, confiando unicamente no sangue de Cristo, usam de todas as ordenanças que ele deu, fazem boas obras, das quais Deus preparou de antemão para que andássemos nelas,[51] gozam e manifestam um temperamento santo e celestial, o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus.[52]


3. Mas tal pregação da fé não conduz ao orgulho? Respondemos que acidentalmente isso pode acontecer. Por isso todo crente tem de ser advertido (nas palavras do grande Apóstolo): “Por sua incredulidade [os primeiros ramos] foram quebrados, mas você pela fé está em pé. Não se ensoberbeça, mas teme. Porque se Deus não perdoou os ramos naturais, a você tampouco perdoará. Olha, pois a bondade e severidade de Deus; a severidade certamente para com os que caíram, mas a bondade para contigo, se permanecer nessa bondade; pois de outra maneira você também será cortado.”[53] E ao permanecer nessa bondade, se lembrará das outras palavras de São Paulo, que preveem e respondem a esta mesma objeção: “Onde, pois, está a jactância? Está excluída. Por qual lei? Pela das obras? Não, mas pela da fé.”[54] Se alguém fosse justificado por suas obras, teria do que se gloriar. Mas não tem do que se gloriar quem não pratica, mas crê naquele que justifica o ímpio.[55] O mesmo indicam as palavras que se encontram antes e depois do nosso texto: “Mas Deus, que é rico em misericórdia,... ainda nós estando mortos em pecado, nos deu vida juntamente com Cristo (por graça sois salvos),... para mostrar... as abundantes riquezas da sua graça em sua bondade para conosco em Cristo Jesus. Pois pela graça vocês são salvos, por meio da fé; e isto não vem de vocês.”[56] De nós não vem nem a nossa fé e nem a nossa salvação, que é dom de Deus, dom gratuito e imerecido – dom que é tanto a fé que salva quanto a salvação que Deus em sua bondade une a essa fé. O que cremos é uma demonstração da sua graça; o que, crendo, sejamos salvos, é outro. Não por obras, para que ninguém se glorie.[57] Porque todas as nossas obras e toda a retidão que tivemos antes de crer, nada mereciam de Deus senão condenação – tão longe estávamos da fé que salva, por isso que, quando é dada, nunca é por obras. E tampouco se deve a salvação as obras que tenhamos feito quando cremos. Porque é Deus que faz todas as coisas em todos.[58] Logo, Deus recompensa o que ele mesmo fez, pois mostra as riquezas da sua misericórdia e não nos deixa gloriarmos.


4. Todavia, não há possibilidade de que falando dessa maneira sobre a misericórdia de Deus, que só por meio da fé há salvação e justificação, leve alguém a pecar? Tal coisa pode acontecer e sucederá. Muitos permanecerão no pecado, para que a graça abunde.[59] Porém, seu sangue cairá sobre suas próprias cabeças. A bondade de Deus deveria conduzi-los ao arrependimento, e certamente o fará para aqueles que são sinceros de coração. Estes, ao saber que há lugar para o arrependimento, clamarão a Deus para que ele apague também os seus pecados mediante a fé em Jesus. E se clamarem ardentemente e não desfalecerem, se o buscarem por todos os meios que Deus lhes deu, se não aceitarem consolo algum até que ele vir, ele virá, e não tardará.[60] Ele pode fazer muito em pouco tempo. Há muitos exemplos Atos dos Apóstolos em que Deus opera essa fé nos corações humanos com a rapidez de um relâmpago. Na mesma hora em que Paulo e Silas começaram a pregar, o carcereiro se arrependeu, creu e foi batizado. O mesmo sucedeu com os três mil que escutaram São Pedro no dia de Pentecostes, se arrependeram e creram na primeira vez que o escutaram. Bendito seja Deus, muitos no dia de hoje são prova viva de que Deus continua sendo poderoso para salvar.[61]


5. Porém, a partir de outra perspectiva se objeta exatamente o contrário: “Se é impossível se salvar por tudo o que se faça, isto levará a desesperança.” Certamente, levará a perder a esperança de se salvar por suas próprias obras, méritos ou retidão. Assim deve ser, porque é impossível confiar nos méritos de Cristo sem antes renunciar aos próprios. Quem procura estabelecer a sua própria justiça[62] não pode receber a justiça de Deus. A justiça que provém da fé não pode lhe ser dada enquanto confiar naquela que provém da lei.


6. Todavia, dizem alguns, que tal doutrina carece de consolação. Ao se atrever a sugerir tal coisa, o diabo falou assim como é, mentiroso e descarado. Ao contrário, esta é a doutrina consoladora por excelência, cheia de consolo a todos os pecadores que estão dispostos a se destruírem e a condenarem a si mesmos. Há um consolo excelso como o céu e mais forte que a morte em saber que aquele que nele crer não será confundido,[63] e que o mesmo que é Senhor de todos, é rico para com todos os que o invocam.[64] O que? Misericórdia para todos? Para Zaqueu abertamente ladrão? Para Maria Madalena uma prostituta? Imagino-me ouvir alguém dizer: “Então, até eu mesmo, tenho esperança de receber misericórdia!” E bem pode dizer você que está aflito, a quem ninguém oferece consolo. Deus não rejeitará a sua oração. Talvez muito em breve Ele dirá: “Confia, os teus pecados estão perdoados.”[65] Perdoados a tal ponto que já não dominará sobre você, e o Espírito mesmo dará testemunho a teu espírito de que você é filho de Deus.[66] Ó boas-novas! Novas de grande alegria, que são para todo o povo.[67] A todos os sedentos, venham as águas... Venham, comprem sem dinheiro e sem preço.[68] Quaisquer que sejam os seus pecados, ainda que sejam vermelhos como carmesim,[69] mesmo que sejam mais numerosos que os cabelos de tua cabeça,[70] converta-se ao Senhor, o qual terá misericórdia de você, e ao nosso Deus, o qual será rico em perdoar.[71]


7. Quando já não há objeção possível, se nos diz que a salvação pela fé não pode ser pregada como doutrina principal, ou que nem deve ser ensinada por completo. Mas, o que diz o Espírito Santo? Ninguém pode por outro fundamento além daquele que está posto, o qual é Jesus Cristo.[72] Logo, quem nele crer será salvo[73] é, e tem de ser o fundamento, e o princípio de toda a nossa pregação. “Bem, contudo, não a todos.” A quem não temos de pregá-la? A quem temos de isentar? Aos pobres? Estes tem um direito particular a que se lhes pregue o evangelho. Aos indoutos? Não, visto que desde o princípio Deus tem revelado estas coisas aos indoutos e ignorantes. As crianças? Deixem as crianças virem a mim, e não as impeçam.[74] Aos pecadores? Menos ainda. Jesus veio para chamar, não os justos, mas os pecadores ao arrependimento.[75] Então, se tivermos de excluir alguém terá de ser os ricos, os letrados, os de boa reputação e os moralmente elevados. É certo que tais pessoas frequentemente excluem a si mesmos para não ouvir. Mas, temos que falar as palavras de nosso Senhor. Pois, isto diz a nossa comissão: “Vão e preguem o evangelho a toda criatura.”[76] Se alguém se opõe a esta mensagem, ou a alguma parte dela, é para sua própria destruição, o mesmo será responsável pelo que faz. Mas, vive o Senhor, tudo o que ele me disser, isto falarei.[77]


8. Especialmente agora proclamaremos que por graça vocês são salvos, por meio da fé, porque isto nunca foi mais razoável. Somente tal pregação pode prevenir o crescimento do erro romanista entre nós. Atacar os erros desta igreja um a um não teria fim. Entretanto, a salvação pela fé chega à raiz do assunto e onde esta doutrina se estabelece todo o restante vem abaixo. Foi esta doutrina (que a nossa igreja corretamente chama “a rocha sólida e fundamento da religião cristã”) que primeiro tirou o papado destes reinos; e só ela pode mantê-lo fora. Só ela pode deter a imoralidade que invade a nação. Você pode esvaziar o mar gota a gota? Se puder, você conseguirá nos reformar dissuadindo-nos de vícios particulares. Mas ao chegar a justiça que é de Deus pela fé,[78] se deterão as ondas impetuosas. Só isso pode tapar as bocas daqueles cuja glória é sua vergonha,[79] e que negam o Senhor que os resgatou.[80] Podem falar da lei com tanta solenidade como quem a tem escrita por Deus em seu coração. Ao ouvi-los falar sobre o tema, parece que não estão longe do reino de Deus. Porém, caso os tire da lei e os leve ao evangelho, começando com a justiça que é pela fé, com Cristo, que é o fim da lei... para todo aquele que crê,[81] estes que até agora pareciam ser, se não completamente, ao menos quase cristãos, resultam ser filhos da perdição, tão distantes da salvação como distantes são as profundidades do inferno das alturas celestiais. Deus tenha misericórdia deles!


9. É por isso que o inimigo se enfurece tanto quando se anuncia ao mundo a salvação pela fé. Por isso moveu o céu e a terra para destruir a quem primeiro a pregou. Por isso, sabendo que só a fé pode destruir os fundamentos do seu reino, reuniu todas as suas forças, e empregou todas as suas artimanhas da mentira e calúnia para amedrontar aquele glorioso campeão do Senhor dos Exércitos, Martinho Lutero, com o propósito de que não a reavivaria. Isto não deve nos surpreender. Porque como disse esse varão de Deus, “Como se enfureceria o homem forte e armado a se ver preso e aniquilado por um menino, e este armado com uma frágil cana!” Se enfureceria especialmente porque sabia que esse pequeno menino o derrotaria e pisotearia. Amém, Senhor Jesus.[82] É assim que o teu poder se aperfeiçoa na fraqueza.[83] Vá então, pequeno que nele crê, e a sua destra te ensinará coisas terríveis.[84] Ainda que você seja frágil como uma criança recém-nascida, o homem forte não poderá prevalecer ante a ti. Você o vencerá, o dominará, o derrotará, o pisoteará debaixo de teus pés. Marchará sob a direção do grande Capitão da tua salvação[85], vencendo e para vencer[86], até que todos os seus inimigos sejam destruídos, e tragada seja a morte pela vitória.[87]


Agora graças sejam dadas a Deus, que nos dá a vitória por meio de nosso Senhor Jesus Cristo, que com o Pai e o Espírito Santo, seja a benção e glória, sabedoria, ação de graças, honra, poder e força,... pelos séculos dos séculos. Amém.[88]



[1] Pregado na Igreja de Santa Maria, Oxford, diante a universidade no dia 11 de junho de 1738. As edições mais antigas datam como 18 de junho. Porém, sabemos que nessa data Wesley se encontrava na Alemanha.

[2] Gn 2.7

[3] Sl 8.6

[4] Is 26.12

[5] Rm 3.23

[6] Jo 1.16. Em algumas edições deste sermão, Wesley incluía aqui a citação em grego. (χάριν ἀντὶ χάριτος)

[7] 2Co 9.15

[8] Rm 5.8

[9] Ef 2.8

[10] Hb 11.6

[11] Lc 2.20

[12] Lc 4.34

[13] At 16.17

[14] 1Tm 3.16

[15] 1Co 15.25

[16] 2Tm 3.16

[17] Mt 10.1

[18] Lc 9.1

[19] Lc 9.41; Mc 9.19

[20] Lc 17.5-6

[21] Rm 10.9-10

[22] Rm 4.25

[23] 1Co 1.30

[24] Mt 1.21

[25] Rm 3.19

[26] Sl 130.3. Wesley o cita seguindo a versão do Livro de Oração Comum.

[27] Rm 3.20-25

[28] Gl 3.13

[29] Cl 2.14

[30] Rm 8.1. Ao citar este texto, Wesley colocou o verbo “crer” no lugar de “estar”.

[31] Rm 8.15-16

[32] Ef 1.13

[33] Rm 5.1-5

[34] Rm 8.38-39

[35] 1Jo 3.5-8

[36] 1Jo 5.1

[37] 1Jo 3.9

[38] 1Jo 5.18

[39] Isto é, não comete pecado voluntário ou intencional. Veja sobre isto no sermão 13.

[40] 1Jo 3.9

[41] Gl 4.19

[42] Jo 3.3-5

[43] Cl 3.3

[44] 1Pe 2.2

[45] Ef 6.10

[46] Rm 1.17

[47] Jo 1.16

[48] Ef 4.13

[49] Rm 3.31

[50] Rm 8.4

[51] Ef 2.10

[52] Fp 2.5

[53] Rm 11.20-22

[54] Rm 3.27

[55] Rm 4.5

[56] Ef 2.4-5, 7-8

[57] Ef 2.9

[58] 1Co 12.6

[59] Rm 6.1

[60] Hb 10.37

[61] Is 63.1

[62] Rm 10.3

[63] Rm 9.33

[64] Rm 10.12

[65] Mt 9.2

[66] Rm 8.16

[67] Lc 2.10

[68] Is 55.1

[69] Is 1.18

[70] Sl 40.12

[71] Is 55.7

[72] 1Co 3.11

[73] Jn 3.16; Mc 16.16

[74] Mc 10.14

[75] Mc 2.17

[76] Mc 16.15

[77] 1Rs 22.14

[78] Fp 3.9

[79] Fp 3.19

[80] 2Pe 2.1

[81] Rm 10.4

[82] Ap 22.20

[83] 2Co 22.20

[84] 2Co 12.9

[85] Hb 2.10

[86] Ap 6.2

[87] 1Co 15.54

[88] Ap 7.12


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