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O Dom de Línguas em 1 Coríntios 14.1-5


O Dom de Línguas em 1 Coríntios 14.1-5


Por Benny C. Aker

Os pentecostais têm duas posições fundamentais a respeito da natureza do dom de línguas baseadas em 1 Coríntios 14.1-5. Um grupo acredita que este dom se dirige a Deus e que envolve coisas tais como a oração e/ou louvor. Eles acreditam que quem interpreta as línguas deve expressar um louvor ou petição dirigida a Deus. As línguas neste caso nunca contém uma “mensagem” aos crentes. Além disso, consideram que o falar em línguas é um dom inferior. W. G. MacDonald, um proponente dessa posição, recentemente resumiu o seu ponto de vista:

“A glossolalia sempre se dirige a Deus, e só a Ele. Em sua forma de expressão, a glossolalia é falada ou cantada a Ele. Em suma, a glossolalia bíblica consiste de adoração ou oração. Consiste de louvor ou petição, agradecimento ou intercessão. Devido à glossolalia se dirigir unicamente a Deus, ela não pode ser uma expressão profética. Designada para a edificação individual, a glossolalia, quando devidamente interpretada, permanece no patamar mais baixo da escala apostólica de dons que beneficiam a congregação.”[1]

O outro grupo acredita que, assim como a profecia, o dom de línguas também pode ser uma mensagem dirigida a igreja quando acompanhada pela interpretação, e que este dom de línguas não é inferior a outros dons quando é manifestado corretamente.
Quero apresentar o artigo expondo este último ponto de vista de maneira indutiva, simplesmente permitindo que a Bíblia fale por si mesma. Primeiro, examinaremos o amplo contexto da relevante passagem em 1 Coríntios.

O Amplo Contexto do Dom de Línguas: 1 Coríntios 12-14


Sabe-se que em Corinto se fazia mau uso das línguas. Segundo estes entusiastas, a glossolalia era sinal de espiritualidade e da presença de Deus. Em tal contexto as línguas não precisavam de interpretação. Nos capítulos 12-14, Paulo provê correção a esta situação, e não apenas informação. A estrutura dos capítulos 12-14 nos leva a esta conclusão. Por exemplo, 12.1-3 introduz esta unidade sobre charismata ao tratar o assunto do discursor: “... ninguém que fala pelo Espírito de Deus diz...”[2] O resto do capítulo 12 contém instrução acerca da diversidade na unidade para expandir a perspectiva do leitor à respeito da operação de dons. O tema do discurso profético é tecido ao longo do capítulo 13, o qual provê a urgente instrução sobre a função do amor em tal contexto. No capítulo 14, Paulo volta a tratar especificamente da relação entre o falar em línguas, sua interpretação, e a profecia.

Certos termos acentuam esta estrutura e dão mais apoio a nosso argumento de que o dom de línguas era um problema. Em 12.1 está o problemático termo pneumatikon. Esta palavra grega, traduzida como “espirituais”, é uma adjetivo plural usado como substantivo. Isso significa que nenhum substantivo aparece no texto grego; em vez disso, esse adjetivo representa algum substantivo que deve ser provido pelo tradutor/leitor. Esse é o problema: qual substantivo deve ser provido e o que isso significa? No entanto, Paulo pretendia com isso introduzir e resumir todo o conteúdo desta secção.

Em 12.31, onde concluiu a sua exposição sobre a diversidade na unidade, o apóstolo usa o substantivo charismata (“dons”). Este substantivo está no caso acusativo, gênero neutro, e número plural. Ainda que o gênero do adjetivo “espirituais” no versículo 1 não se possa determinar (de modo que se entenda a quem o substantivo modifica), o mais provável é que o adjetivo pneumatikon no versículo 1 se refira ao substantivo charismata no versículo 31.

Havendo tratado o assunto do amor em relação com alguns dos charismata no capítulo 13, Paulo retorna ao tema da profecia em 14.1. Aqui novamente usa novamente o adjetivo “espirituais” (pneumatika) como substantivo, o mesmo adjetivo que está em 12.1. Mas neste caso, sabemos que o substantivo que ele representa é neutro e plural, pois essa é a forma do adjetivo grego. Esta forma (gênero e número) coincide com a de charismata, o substantivo de 12.31. Portanto, o pneumatikon de 12.1 e o pneumatika de 14.1 devem ser traduzidos como “dons espirituais”.

Com o retorno de Paulo em 14.1 ao tema iniciado em 12.1, e a nossa definição do significado destes adjetivos substantivados em 12.1 e 14.1, concluímos que o propósito principal dos capítulos 12-14 era corrigir o abuso dos dons espirituais, em especial a maneira como se praticava as línguas em Corinto. Esta observação é importante para minha tese.

O abuso das línguas como o ponto específico da secção pode também ser apoiado pela observação de que há muito mais material sobre o discurso inspirado, a saber, as línguas, a interpretação de línguas, e a profecia, do que qualquer outro tema. Por exemplo, o capítulo 14 (todo sobre línguas, interpretação, e profecia) tem mais material (mais de 79 linhas de texto em grego) que os capítulos 12 e 13 (77 linhas), e isto sem contar as referências às línguas, interpretação, e profecia que há nos capítulos 12 e 13.[3]
Além disso, é significante que as línguas e a interpretação de línguas (juntas em 8-10, 29,30) ou as línguas (por si só em 28) estejam no final das listas do capítulo 12. As línguas não se mencionam em ultimo lugar porque sejam mais insignificantes ou de menor importância, mas porque elas são o problema. Isto, então, nos leva a uma revisão dos parágrafos do capítulo 14, a qual é necessária para colocar 14.1-5 em seu devido contexto.

Perspectiva Geral do Capítulo 14


O primeiro parágrafo, 14.1-5, tem um importante propósito nesta secção (12.1-14.40) sobre os charismata como também o resto do capítulo 14. Como em uma tese, Paulo leva o leitor a perguntar sobre o devido uso das línguas num culto público. O persistente princípio de Paulo é a edificação do corpo, que vem através da compreensão. (Referências à necessidade de compreensão incluem 14.2,6-11,16,17,19,23,24.) Se ninguém compreende, ninguém pode ser edificado nem sentir convicção. Portanto, Paulo enfatiza a importância da interpretação quando alguém fala em línguas.

O que segue no capítulo 14 é resultado do ponto demonstrado neste primeiro parágrafo. O versículo 6 com seu “E, agora” e a pergunta retórica (“...se eu for ter convosco falando línguas estranhas, que vos aproveitaria...?”) dirige ao leitor o problema dos coríntios de somente falar em línguas. Nos versículos 7-11, o apóstolo ilustra este ponto a partir de outras situações: as pessoas precisam compreender para agir ou reagir corretamente. No versículo 13, o “pelo que” introduz um movimento adiante na exortação e conselho de Paulo sobre o que se deve fazer num culto público de adoração: se uma pessoa mostra qualquer manifestação no Espírito, isto é, em línguas, em oração, em bênçãos, etc., ela também deve interpretar para que todos sejam edificados. Esta exortação termina nos versículos 18-19, neles Paulo enfatiza o assunto das línguas e a interpretação numa reunião pública.

No próximo parágrafo, os versículos 20-22, Paulo torna visível o erro da tese dos coríntios. Para eles, o falar em línguas era um sinal da presença de Deus e da sua própria espiritualidade. Gordon Fee dá um bom ensinamento na sua interpretação: “Ainda que não se possa comprovar categoricamente, o fluxo do argumento do versículo 20, que inclui o forte ‘mas’ desta sentença, sugere que Paulo está dando a entender sua própria antítese com o ponto de vista dos coríntios em mente. Isto é, ‘em contraste com o que vocês pensam, esta palavra de Isaías indica que as línguas não são [sic] dadas como sinal aos crentes. Elas não são, como vocês as apresentam, a divina evidência de ser pneumatikos, nem da presença de Deus em sua reunião’.”[4]

Isto resolve o problema contido nestes versículos. Com esta interpretação se demonstra claramente a lógica de Paulo. A própria experiência dos coríntios a respeito das línguas contradizia o seu pensamento errôneo quanto à manifestação de línguas no culto. A partir do versículo 23 até 25, Paulo segue o seu argumento. Uma pessoa não convertida ou ignorante num culto público só responderá se ele/ela o entender.

Nos versículos 26-33, Paulo expande o princípio demonstrado claramente no versículo 26: “Faça-se tudo para edificação”. Paulo apresenta normas para “o falar em línguas”. Se alguém falar em língua estranha, deve também interpretar, seja por alguma outra pessoa ou por ela mesma. Se não houver intérprete, a pessoa deve se calar, ou seja, em situações em curso. Além disso, as profecias devem ser julgadas e limitadas. A limitação nas línguas, interpretação, e profecia seguem o princípio dado nesta secção de 1 Coríntios 12-14, e estimulavam diversas manifestações de charismata.

Um tema difícil, como a interpolação das mulheres no culto ocorre nos versículos 33-36. Não estou seguro de que a interpretação de Fee é aceitável a todos. Ele diz que essa porção é uma adição posterior e não o original de Paulo.[5] Admitidamente, a passagem é extremamente difícil e não característico de Paulo. O contexto sugere é que as mulheres de algum modo são as responsáveis pela confusão causada pelo abuso das línguas, de tal maneira que fora violado o princípio de edificação mediante a compreensão e ordem. (Os versículos 33 e 40 são um “parêntese” neste parágrafo referente à ordem/desordem.)
Logo, nos versículos 37 e 38, Paulo apela a sua autoridade e volta a expor sua tese nos versículos 39 e 40. “... procurai profetizar e não proibais o falar em línguas [dá a entender que as línguas são importantes]. Mas faça-se tudo decentemente e com ordem.”

Interpretação de 14.1-5


Com esta breve perspectiva do fluxo do argumento de Paulo, é hora de voltarmos a uma detalhada interpretação do parágrafo em questão.[6] Com a proposição “segui o amor” (introduzida sem uma palavra conectiva em grego), Paulo recapitula o tema do capítulo 13. “E” (de) com “procurai os dons espirituais” conecta o tema do argumento com 12.1 (“dons espirituais”) e passa do geral ao específico para levar o leitor diante do assunto específico: “Mas principalmente que profetizeis”. Com este passo, Paulo introduz o problema. O “mas principalmente” (mallon de) é um leve conectivo que indica o tópico específico dentro do tópico mais amplo de charismata e identifica a preferência por uma expressão espiritual em vez de falar em línguas sem interpretação. “Que [hina] profetizeis” expressa o propósito do verbo “procurai” da cláusula anterior.

O grego gar (“porque”) no versículo 2 introduz as próximas duas cláusulas e, portanto, proporciona dois estágios de explicação; ou seja, cada cláusula dá uma razão a declaração de Paulo: “... principalmente que profetizeis”. A primeira explica a razão pela qual a profecia deve ser preferida: “... o que fala em línguas [isto é, dá uma mensagem num idioma desconhecido pelo orador inspirado] não fala aos homens [anthropois; não androis = “varões”], senão a Deus”. A segunda cláusula explica por que se prefere a profecia ao dom de línguas: “pois ninguém o entende, e [de] pelo Espírito fala mistérios [ou seja, em línguas fala algo misterioso ou desconhecido à mente humana].” O “e” antes de “fala mistérios” levemente contrasta e explica o “fala mistérios” com o “ninguém o entende” (akouo – literalmente, “ouve”). Deus é o único que o entende.

O versículo 3 começa com um conectivo de contraste: “mas” (de). A sentença: “Mas o que profetiza fala aos homens [anthropois] para edificação, exortação e consolação” contrasta as atividades de “o que fala em línguas” (descritas nas duas cláusulas anteriores no versículo 2) com “o que profetiza”.

No grego o versículo 4 começa sem um conectivo de contraste; este caso é “assindético”. Esse fenômeno oferece um forte contraste com o que as línguas fazem no indivíduo e o que a profecia faz na igreja. “Mas” (de) contrasta a edificação individual com a edificação do corpo: “O que fala em línguas a si mesmo se edifica, mas o que profetiza, edifica a igreja”.

As cláusulas contrastantes do versículo 4 oferecem no versículo 5 a recapitulação do problema e os pontos do argumento de Paulo até este momento: “Ora [de], eu quero que todos vós faleis em línguas, mas muito mais que profetizeis”.[7] Paulo não queria que parassem as línguas – ele até estimulou a igreja a usar corretamente este dom (5a). A razão pela qual Paulo preferia a profecia é dada na próxima parte do versículo (5b): “porque [de] o que profetiza é maior do que quem fala em línguas, a não ser que as interprete para que a igreja receba edificação”. O “porque” conecta a cláusula anterior (5a) com o “maior...” e a cláusula expectativa apresenta o propósito de Paulo: si alguém fala em línguas, ele/ela deve interpretar. Quanto isto acontece, as pessoas entendem e são edificadas. Isto tem o mesmo resultado que a profecia.

Permita-me assinalar outros pontos. A palavra usada para expressar o resultado que se espera das línguas + interpretação e profecia no versículo 5 é oikodomen (edificar). A mesma palavra (14.12,17,26) e palavras relacionadas (14.19,31) ocorrem nos contextos de profecia, línguas, e interpretação de línguas, e expressam a mesma preocupação como o entendimento.

Além disso, a cláusula exceptiva em 14.5b enfatiza o ponto de que as línguas mais a interpretação equivalem a profecia. O termo grego para “a não ser que” (ektos ei me) no versículo 5 é, particularmente no Novo Testamento, uma expressão paulina. Esse termo aparece oito vezes no Novo Testamento, seis delas nas epístolas paulinas. Ektos é usado como advérbio e também como preposição imprópria. Juntamente com as palavras, ei me, aparece só em 1 Coríntios 14.4 e 15.2. Essa expressão sublinha o que estamos tratando de enfatizar. “A não ser que” age aqui como um “se” em uma frase condicional. Esta paráfrase talvez lhe sirva a ver isso mais claramente: “Se uma pessoa não interpreta uma mensagem inspirada dada em outro idioma, essa mensagem não tem um impacto edificante sobre a congregação como no caso de uma profecia. Mas se alguém der uma mensagem em línguas e a interpretar, então a mensagem em línguas e a interpretação produzem o mesmo impacto que uma profecia.”

É útil apresentar esta sentença em forma de diagrama, fazendo notar a relação das várias cláusulas e, especialmente, mostrando a cláusula exceptiva. A ordem e os espaços de cada parte indicam a ordem em que elas ocorrem no texto grego e a relação sintática entre cada uma:

Por que
[é] maior
o que profetiza
do que
quem fala em línguas,
a não ser que
[o que fala em línguas][8] as interprete
para que a igreja receba edificação.

Precisamos comentar esse diagrama. Primeiro, as duas cláusulas (1, o que profetiza e 2, o que fala em línguas) expressam uma comparação pertinente ao valor, isto é, edificação e benefícios, e não status, ou seja, um dom inferior. Note que isso é uma comparação, não um contraste. Um contraste coloca uma cláusula contra a outra, quando uma é totalmente diferente da outra. De modo que quando uma condição se aplica a ambas as cláusulas (i.e., a compressão), ambas participam na similaridade. É verdade que a manifestação linguística das línguas, a interpretação, e a profecia são diferentes, mas o caráter fundamental ou a natureza das três é o mesmo: uma mensagem inspirada que tem o propósito de edificar, etc.

Segundo, a cláusula que começa com “para que” expressa o propósito do verbo “interprete”. O sujeito desse verbo é o que tenho incluído nos colchetes e se entende claramente. A cláusula pode ser lida desta maneira: “O que fala em línguas [deve] interpretar a fim de que a igreja receba edificação”.
Então, afirmo que Paulo se refere que as línguas, interpretação e profecia são mensagens inspiradas, que operam similarmente, e têm (devem ter) resultados semelhantes. Em um culto público os três têm como edificar, exortar, e/ou consolar. Contudo, note que nos versículos 26-33 Paulo também limita a operação desses dons inspirados para estimular outras manifestações produtivas.

A Direção das Línguas


Segue em pé a pergunta: a quem se dirigem as línguas, a Deus ou aos homens? Várias áreas devem ser exploradas para responder isso adequadamente. Primeiro, qual o significado dos vários verbos em 1 Coríntios 14.1-5, especialmente nos versículos 1-3. Esses verbos são “fala” (lalei, e outros nos versículos 2 e 3) e “entende” (akouei no versículo 2). O que significa dizer que quando alguém fala em línguas, fala a Deus? Sob o ponto de vista que considera negativamente o dom de línguas, falar a Deus assume um significado unidirecional; portanto, o falar em línguas se dirige a Deus, e a profecia aos homens. O uso em grego do caso dativo nos substantivos (“a Deus”, “aos homens”) que servem como objeto do verbo “falar” nos versículos acima mencionados, sugere essa interpretação. Todavia, o significado lexicológico no contexto não o apoia. O contexto vivo (o significado do verbo e dos assuntos relacionados em uso atual) sempre predomina, e dá direção à gramática abstrata (como, por exemplo, a terminação dos substantivos em grego). Portanto, sugiro que “não fala aos homens, senão a Deus” (14.2) se refere à compreensão em vez de direção. Na realidade, no versículo 2, a frase “pelo Espírito fala mistérios” diz exatamente isso. A razão é que Deus em sua onisciência conhece/entende, mas o homem não. De modo que “falar” significa “falar num idioma inteligível/compreensível”, e somente Deus compreende todas as formas de comunicação. A ênfase de “falar” recai sobre aquele que pode compreender a mensagem ou o conteúdo. Ninguém realmente deve falar, a menos que os demais entendam, essa é a dinâmica social na sociedade do mediterrâneo. Essa dinâmica cultural coincide com o segundo verbo no versículo 2: “ninguém o entende”. Não é que não se ouve, isto é, as ondas sonoras reverberando contra os tímpanos. “Ouvir” (akouei) realmente significa “entender”, este é o significado usual dessa palavra grega. Algo não se ouve a menos que alguém compreenda e aja positivamente sobre isso. Por exemplo, consulte a palavra “ouvem” na parábola do semeador em Mateus 13, especialmente o versículo 16: “Mas bem-aventurados... vossos ouvidos, porque ouvem”. Por isso, mantenho que “fala a Deus” não tem significado direcional; mas sim, tem a ver com a compreensão.

Algo se deve dizer sobre o significado sociológico das línguas e a falta de compreensão que resulta quando o falar em línguas não é interpretado. Se uma pessoa fizesse algo que apenas diz respeito a um indivíduo – como ser pessoalmente edificado e não se preocupar de interpretar as línguas e assim edificar o grupo – seria isto muito vergonhoso em uma sociedade orientada pelo parentesco. Essa orientação social tinha a ver com Paulo e com os coríntios.

Considerar as línguas como algo unidirecional é típico da moderna sociedade ocidental, e desconhecida à mentalidade do primeiro século no mundo mediterrâneo. Esse ponto de vista ignora tanto a dimensão social como a tendência para uma categorização muito estrita (endurecimento das categorias). Por exemplo, ao ler os profetas do Antigo Testamento e os Salmos, se encontra múltiplas perspectivas de discursos proféticos, tanto da parte do que fala como daqueles a quem são dirigidas.

Em segundo aspecto, exploramos as implicações da palavra grega usada em Atos 2 com referência a inspiração profética. Esse verbo, apophtheggesthai (“falassem”), ocorre duas vezes: nos versículos 4 (“conforme o Espírito lhes concedia que falassem”) e 14 (Pedro... levantou a voz e disse-lhes”).[9] Nesses dois lugares, o verbo descreve as línguas como experiência inicial e como profecia. Tanto na tradução grega do Antigo Testamento como em textos não canônicos, indiscutivelmente essa palavras se usa para uma mensagem divinamente inspirada. É verdade que lemos em Atos que as pessoas ouviram os apóstolos glorificando a Deus em línguas (veja o versículo 11). Mas é verdade também que o sermão inspirado de Pedro explica, ou seja, interpreta as línguas. Em certo sentido temos línguas mais interpretação/explicação da profecia que resultou na edificação da igreja (isto é, 3.000 almas foram acrescentadas à igreja, versículo 14). Isso não significa que esse fenômeno se identifica como o dom de línguas e interpretação; senão o que o Espírito fez nessa ocasião. As línguas em Atos 2 funcionaram como um encontro de poder, que chamou a atenção dos não crentes. O sermão inspirado de Pedro explicou as implicações das línguas e atraiu a muitos dos ouvintes a Cristo. As línguas foram o testemunho do amanhecer da era escatológica. O que quero dizer é que as línguas, bem como a evidência inicial, são da mesma categoria que a profecia em que ambas as mensagens são inspiradas.
Isso é o que Lucas quis que compreendêssemos, e Paulo em 1 Coríntios não as viu de maneira diferente.

Conclusão


Parte do problema dessas duas interpretações do dom de línguas, como em outros aspectos, tem a ver com o uso das palavras. Penso que todos somos um pouco descuidados em nosso uso das palavras com que nos referimos a essas manifestações.

Por exemplo, a palavra “oráculo”. Devido ao seu uso nas Escrituras, é melhor pensar num oráculo como parte do mundo mais amplo da profecia.[10] O termo “mensagem em línguas”, também pode ser usado ambiguamente. Por exemplo, quando há línguas e interpretação no louvor (ou oração), não seria melhor chamar isso de louvor e não como mensagem?

O mesmo ocorre com a operação de profecia. Na realidade, Paulo, ao falar de dons em Romanos 12.6 (profecia) e 8 (exortação) poderia estar usando termos mais precisos. Talvez quisesse falar de aspectos distintos ou poderia estar falando da mesma manifestação a partir de perspectivas distintas. Em 1 Coríntios 14.3 a exortação é o resultado da profecia.

Além disso, penso que a Bíblia ensina que as línguas são importantes e que são palavras inspiradas. Por “inspiradas” não ponho estas manifestações no mesmo nível que as Escrituras. O que quero dizer é que o Espírito Santo dá poder, de certa maneira, para proclamar bênçãos a sua igreja, etc. As línguas, entretanto, necessitam ser interpretadas em um culto público. Há diversidade de línguas: evidência inicial, uso privado das línguas para edificação pessoal, e o uso público do dom de línguas. Todo cristão deve ter ou manifestar os dois primeiros. O último é um dom especial do Espírito, que nem todos precisam ter, ainda que esteja disponível a todos. Esse artigo tratou desse último dom. No entanto, é desejável que “não ignoremos” todos as facetas do discurso inspirado (evidência inicial/batismo com o Espírito Santo, línguas, interpretação, e profecia) dado pelo Espírito para edificação pessoal, para a edificação do corpo de Cristo, e para glorificar o Senhor.


Benny C. Aker, Ph.D., é ex-professor de Novo Testamento e exegese do Assemblies of God Theological Seminary.





[1] William Graham MacDonald, “Biblical Glossolalia—Thesis 7” [Tesis 7: Glosolalia bíblica] Paraclete 28:2 (Primavera 1994): 1

[2] As citações bíblicas foram tomadas de Almeida Revista e Corrigida (RC).

[3] Também há referências explícitas às línguas pelo menos 19 vezes nos capítulos 12-14 e o falar em línguas é o único dom incluído nas sete listas de dons espirituais (12.8-10,28,29-30; 13.1-3,8; 14.6; 14.26)

[4] Gordon D. Fee, The First Epistle to the Corinthians. NICNT (Grand Rapids: Eerdmans Publishing, 1987), 681,682.

[5] Ibid., 699–708

[6] Tenho usado o texto grego nesta discussão com a minha tradução*. Esta não necessariamente coincidirá com a NVI, mas é importante porque o texto grego revela mais claramente a lógica de Paulo. O método usado neste documento emprega esta lógica. Isto contrasta com a interpretação atomística que alguns usam, incluindo MacDonald.

[7] “Especialmente que profetizeis” ou “mais prefiro que profetizeis” (mallon de hina propheteuete) em 14.5 é idêntica a frase grega em 14.1b.

[8] 14.13 é a correlação direta a esta asseveração e flui desta declaração no versículo 5: “Pelo que, o que fala língua estranha, ore para que a possa interpretar.” Eu também tomei a liberdade de remover toda a pontuação do texto grego neste diagrama, porque ela erroneamente sugestiona. Editores modernos tem colocado a pontuação no texto grego, a qual não é inspirada.

[9] Claro, aparece em formas diferentes nos dois lugares.

[10] Consulte, por exemplo, as breves exposições de George A. Buttrick, ed., The Interpreter’s Dictionary of the Bible (Nashville: Abingdon Press, 1962), s.v. “Oracle,” por I. Mendelsohn; y R. Laird Harris, ed., Theological Wordbook of the Old Testament (Chicago: Moody Press, 1980), s.v. “dbd,” por Leonard J. Coppes.

[11] http://enrichmentjournal.ag.org/top/Holy_Spirit/200701.cfm


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Comentários

  1. OS TRÊS DISTINTOS DONS DE LÍNGUA

    Ultimamente tenho lido muita matéria de teólogos afirmando que existe apenas 1 (um) dom de línguas na Bíblia. Que a palavra estranha não deveria existir. Eu dou glória a Deus porque Ele sempre faz as coisas acontecerem na minha vida antes do Diabo poder me confundir. Naquela mesma época que eu orava muito a Deus Pai e fazia muito jejum, sendo agraciado com o possível dom de línguas estranhas, fui chamado por filhos de uma vizinha para orar pela tia deles, que estava com atitudes estranhas. Quando a mulher me viu começou a falar umas 3 a 4 palavras em língua ESTRANHA de cada vez e imediatamente as interpretava em português. Como na Bíblia manda experimentar os espíritos eu deixei-a falar, até que o demônio teve que se identificar como sendo espírito maligno, e então expulsei o demônio em nome do Senhor Jesus Cristo.

    Tenho uma amiga brasileira que não sabia uma palavra sequer no idioma alemão. Ela vivia endemoninhada e alcoolizada. Naquela época ela viajou para a Suíça, onde já morava uma irmã dela. Certo dia, muito atribulada, em bar bebendo com amigos, repentinamente falou o idioma alemão tão perfeito gramaticalmente que os suíços ficaram apavorados e desesperados, sabendo que aquilo era algo sobrenatural, pois tinham certeza que ela somente sabia falar em português, precisando sempre de intérprete brasileiro. Além disto, como ela estava possessa de demônios, depois não se lembrou de nada disso, tendo que aceitar a versão da irmã e dos amigos suíços apavorados.

    Se fosse preciso eu provar esses dois episódios na justiça, com as vítimas e testemunhas oculares, acredito que ainda poderia fazê-lo. Portanto, nestes dois últimos parágrafos podemos ver claramente que o Diabo usou os três tipos diferentes de línguas: a) linha ESTRANHA; b) interpretação da língua estranha; c) idioma espiritual humano estrangeiro. Para os hereges o Diabo ainda pode fazer isto hoje em dia, porque ele fez! Não se pode voltar no passado para modificar a História. Porém Deus, o Criador do Diabo, supostamente não pode mais fazer isto hoje, na visão dos hereges. Por favor, eu volto a desafiar toda a humanidade: encontrem-me 1 (pelo menos um) versículo em toda a Bíblia revogando a ordem de I Cor. 14:26-28.

    Estes parágrafos e mais provas estão no blog: www.laurohenchen.blogspot.com.br ou pesquisando no Google: oitavo rei apocalíptico (1ª opção em todo o Brasil). O blog tem quatro assuntos (inclusive desmascara a “maldição de Toronto”) e define, sem chance de contestação, pela primeira vez na História da humanidade, quem são a besta 666 e a Babilônia apocalípticas. Segundo Apocalipse 18:4 basta ser apenas cúmplice, hoje mesmo, da satânica Babilônia, para sofrer castigos de Deus. É bom ficar bem mais esperto!

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  2. Meu amigo, me ajuda a entender o seguinte: Vendo sob uma ótica dispensacionalista as línguas são o cumprimento da profecia que dizia por línguas de outros povos falarei à este povo [Israel], tendo em vista que nem sempre aparece judeus nos cultos pentecostais, cm entender e ver esse verso?

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Ele lhes respondeu: A vós outros vos é dado conhecer o mistério do reino de Deus; mas, aos de fora, tudo se ensina por meio de parábolas, para que, vendo, vejam e não percebam; e, ouvindo, ouçam e não entendam; para que não venham a converter-se, e haja perdão para eles. (Mc 4:11-12) Este texto gerou dúvidas em certos irmãos porque segundo alguns cristãos, Jesus estaria aqui ensinando a eleição incondicional. Tal texto não somente é impróprio para afirmar esta doutrina, mas também é um texto que demonstra claramente o gracioso sinergismo na salvação do ser humano. Não pretendo ser muito extenso na explicação e, portanto, vou me deter ao máximo nestes versículos. Para começar gostaria de trazer um comentarista bíblico de peso. John Wesley diz: Marcos 4.11 Aos de fora – Assim os judeus designavam os pagãos; também o nosso Senhor designa todos os incrédulos obstinados, portanto eles não entrarão em seu reino, eles habitarão nas trevas exteriores. Marcos 4.12

O Ordo Salutis arminiano e calvinista: um breve estudo comparativo

Por Ben Henshaw A ordo salutis é a "ordem da salvação". Ela enfoca o processo de salvação e a ordem lógica desse processo. A principal diferença entre a ordo arminiana e a calvinista recai sobre a fé e a regeneração. Estritamente falando, a fé não faz parte da salvação na ordo arminiana, uma vez que ela é a condição que se satisfaz antes do ato salvador de Deus. Tudo o que segue a fé é salvação na ordo arminiana, enquanto na ordo calvinista a fé é – de algum modo – o resultado da salvação. O que se segue é como eu vejo a ordo arminiana comparada com a ordo calvinista, juntamente com o porquê de eu achar teologicamente problemática a ordo calvinista. Ordo salutis arminiana: Graça preveniente Fé [União com Cristo] Justificação Regeneração Santificação Glorificação Notas sobre a ordo arminiana: Novamente, é importante notar que, estritamente falando, a graça preveniente e a fé não são parte da salvação, mas são necessárias para a salvação. A graça preveniente torna possível uma