Por Billi
Tanto calvinistas quanto arminianos afirmam algum tipo de auto-limitação divina, por exemplo, na encarnação houve uma auto-limitação de Deus, Jesus não fez milagres por causa da incredulidade das pessoas (Mc 6.5-6). No arminianismo a auto-limitação acontece a fim de dar espaço para uma relação genuína entre o homem e Deus, ou seja, Deus limita a sua vontade para que o homem possa exercer livremente a sua vontade de amá-lo e servi-lo. Deste modo, a auto-limitação é o que possibilita o indeterminismo na cosmovisão arminiana.
Por outro lado, calvinistas também acreditam numa forma de auto-limitação. Aqueles que acreditam que a queda do homem foi devido a "vontade permissiva" de Deus e que Deus não pode ser culpado por ela estão afirmando que, em certo sentido, Deus limitou o seu poder em relação a criação. Calvinistas não concordam entre si sobre como isto se dá, alguns afirmam que Deus retirou a "graça suficiente ou necessária" de Adão que possibilitava a sua perseverança. Assim sendo, o homem destituído desta graça iria pecar e Deus se ausentaria de qualquer culpa pela queda. Porém, outros calvinistas afirmam que a queda se deu conforme o decreto de Deus, para não chocar as pessoas e também assumir todas as consequências lógicas disto o calvinismo coloca o véu da "vontade secreta" sobre o decreto da queda.
Ambos os lados afirmam a auto-limitação. Evidentemente arminianos se sentem mais confortáveis em usar este termo do que calvinistas, porém o conceito existe dentro do calvinismo porque é necessário em alguma medida para concebermos a obra da criação e a encarnação de Jesus de forma ortodoxa. Por que, então, calvinistas não gostam de usar o termo auto-limitação? Suponho que a ênfase da teologia reformada na soberania divina não permita qualquer terminologia que "supostamente" venha a lançar suspeitas sobre esta soberania. Aqui encontro um ponto onde vejo um erro histórico de calvinistas ao conceberem a doutrina da soberania divina. Soberania é praticamente sinônimo de determinismo/fatalismo no calvinismo. É claro que muitos calvinistas não afirmam abertamente o determinismo/fatalismo, contudo há no calvinismo uma estrutura filosófico-teológica bem estabelecida que, no meu entendimento, conduz para este caminho quando levada na ponta da caneta.
A soberania para arminianos e para muitos não calvinistas não implica em determinismo. Parafraseando Roger Olson, Deus é tão soberano na teologia arminiana que ele exerce soberania limitando a sua própria vontade. Caso Deus não fosse soberano sobre a sua própria vontade seríamos levados a conceber que Deus realmente desejou o pecado e o inferno para a humanidade. Porém, na teologia arminiana o exercício da soberania de Deus faz com que ele soberanamente permita a liberdade do agente humano na concorrência divina. A liberdade é um verdadeiro ato amoroso de um Deus soberano!
Uma visão determinista de soberania leva o jugo de admitir explicitamente que Deus quis e ordenou toda dor e sofrimento no qual nos encontramos. Obviamente, tudo isto é muito bem encoberto no véu da "vontade secreta" de Deus. O livre-arbítrio do ser humano em nada agrava ou afeta a doutrina da soberania de Deus. Deus nada perdeu ao dotar as suas criaturas feitas a sua imagem e semelhança com o livre-arbítrio. Aliás, o único livre-arbítrio possível é aquele que o Deus soberano nos deu. Eis aqui outra questão, um Deus soberano não tem o direito de dar e distribuir os seus dons conforme o seu querer? Podemos replicar a Deus se ele fez o homem livre para decidir livremente?
Calvinistas querem impor que a única forma de entender aceitavelmente a doutrina da soberania é a sua. Nesta finalidade de impor a sistemática reformada a toda cristandade poucos refletem sobre as consequências hermenêuticas e filosóficas desta soberania. Não estou dizendo que calvinistas sejam intelectualmente despreparados ou desonestos, estou afirmando que o apreço que possuem a esta doutrina não os leva a refletirem imparcialmente. Ao meu ver, a soberania na visão reformada-calvinista é aprendida mais por "osmose" do que por reflexão. A exposição metódica a esta doutrina, quase a um nível de "mantra" teológico, é a chave do seu sucesso.
Este é um breve escrito que não tem objetivo acadêmico de uma exposição ordenada ou sequer é relevante academicamente para descrever a doutrina da soberania nos dois sistemas soteriológicos. Quero apenas salientar que a auto-limitação divina é necessária para uma teologia saudável e qualquer teologia que disserte sobre a soberania de Deus e faça algum agravo a auto-limitação divina está descaracterizando a própria soberania de Deus em pelo menos dois casos, a criação e a encarnação.
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