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Retórica: Clareza na Pregação e Ensino

John Wesley pregando aos índios norte-americanos

Por Matthew Steven Bracey

Como professor e pregador (esporádico), acho fascinante o assunto da retórica, o qual simplesmente se refere a “como se deve falar”.[1] De fato, alguns anos atrás, publiquei dois outros artigos sobre retórica, intituladas “Rhetoric: The Christian and Non-verbal Communication" e “Rhetoric to the Glory of God”. Nesta postagem, gostaria de voltar ao tópico da retórica. Um dos meios importantes pelos quais um pregador é mais eficaz e persuasivo em sua pregação é o desenvolvimento significativo da retórica. Embora a estrutura fundamental em torno da qual este artigo se baseie diga respeito ao pregador, muitos dos princípios que expus podem se aplicar de maneira mais geral a comunicadores de todos os tipos.

Agostinho ofereceu uma justificativa pela atenção cuidadosa do pregador à disciplina: “A capacidade oratória, um recurso tão eficaz para recomendar o certo ou o errado, está disponível para ambos os lados; por que, então, ela não é adquirida pelos cristãos bons e zelosos que lutam pela verdade, se os iníquos a empregam a serviço da iniquidade e do erro para alcançar seus propósitos perversos e fúteis?”[2] Assim sendo, a retórica é um elemento importante para o pregador – a qual o Espírito Santo pode usar – para produzir um efeito real, mudança e até transformação nas vontades e vidas de seus ouvintes.

Um desses pontos vitais para uma retórica bem-sucedida é a perspicuidade, que significa clareza. Para que servem todas as intenções do orador de instruir, agradar e mover, se aqueles com quem ele está falando não o entendem, tudo isso é inútil. Como resultado, os oradores devem mirar na perspicuidade. Neste artigo, quero fazer o seguinte apelo: objetive um estilo apropriado de perspicuidade. Ao explorar este tópico, examinarei primeiro a chave de ouro da pregação, depois abordarei a importância do vernáculo e da simplicidade.

A Chave de Ouro da Pregação

As vozes de toda a tradição cristã enfatizaram que os oradores devem ser claros. Agostinho usou a imagem de uma chave: “A função da eloquência no ensino é... tornar claro o que lhes estava oculto [aqueles com quem o pregador está falando]... De que serve uma chave de ouro, se ela não pode destrancar o que queremos que seja destrancado, e o que há de errado com uma chave de madeira, se ela pode, visto que nosso único objetivo é abrir portas fechadas?”[3] Em outras palavras, as pessoas comuns não ficam impressionadas com a linguagem pomposa do orador. Semelhantemente, J.C. Ryle, em “The Simplicity of Preaching”, escreveu que o pregador deve “pregar o evangelho simples de Jesus Cristo tão plena e claramente que todos possam entendê-lo”.[4]

Então surge a pergunta: como o pregador consegue a perspicuidade? Como ele pode usar melhor a chave de ouro da pregação? Diferentes autores ofereceram sugestões diferentes que se sobrepõem. Ryle, por exemplo, acreditava que os pregadores devem “cuide para que você tenha uma visão clara do assunto sobre o qual você vai pregar”, usem “palavras simples”, “cuide para objetivar um estilo simples de composição”, usem “um estilo direto” e “use muitas anedotas e ilustrações”.[5] Semelhantemente, Robinson apontou para um esboço claro, frases curtas, estrutura simples de frases e palavras simples num estilo claro, direto, pessoal e vívido.[6] O espaço não permite abordar cada um desses, mas o restante deste artigo analisará alguns deles, observando particularmente o vernáculo e a simplicidade.

O Vernáculo do Povo

O professor de Oxford C.S. Lewis, famoso por traduzir a mensagem cristã em declarações apologéticas que o homem comum podia entender, explicou: “O nosso objetivo é apresentar o que é atemporal (o mesmo ontem, hoje e amanhã) na linguagem da nossa própria época. O mau pregador faz exatamente o oposto... Você deve traduzir cada parte de sua teologia para o vernáculo.[7]

Ele baseou essa crença em uma rica cristologia, dizendo: “A mesma humildade divina que decretou que Deus se tornasse um bebê no seio de uma camponesa e, mais tarde, um pregador itinerante preso pelas mãos da polícia romana, decretou também que Ele deveria estar pregando em uma linguagem vulgar, prosaica e não literária.”[8] Como Jesus antes dele, então, o pregador deve se humilhar ao pregar a Palavra de Deus. É o que Stott chamou de construção de uma ponte entre o mundo da Bíblia e o mundo da realidade contemporânea.[9]

Lewis explicou que a tradução para o vernáculo pode ser um trabalho difícil, frustrante e tedioso: “Isso é muito problemático e significa que você pode dizer muito pouco em meia hora, mas é o essencial.”[10] Embora dedicar tempo para traduzir conceitos difíceis tome tempo, não fazer isso é deixar de se comunicar de maneira significativa. O pregador que deseja se comunicar eficazmente com a sua audiência deve, portanto, conhecer a sua audiência. Por exemplo, clareza para um sulista [estadunidense] provavelmente seja diferente da clareza para um nortista. E clareza para um americano é diferente da clareza para o não americano.

Devemos reconhecer que todos, como é óbvio, têm diferenças culturais. Ignorar este aspecto fundamental da existência humana diminuirá a eficácia da nossa comunicação. Conhecer o assunto, ou mesmo o ofício de falar, não é suficiente. O pregador deve fazer mais do que pregar ao seu congregante. Ele também deve conversar com eles e gastar um tempo com eles nas atividades e cultura que desfrutam, mas de maneira que seja consistente com uma ética de excelência, honra, verdade e outras características que refletem uma ética bíblica (e.g., Fp 4.8). Portanto, o pregador é um exegeta não apenas da Palavra de Deus, mas também da cultura do seu povo. Ao assim fazer, ele pode elaborar sua mensagem com grande sabedoria.

Traduzir a teologia para o vernáculo não ajuda apenas o ouvinte. Também ajuda o pregador. “Eu cheguei à convicção”, escreveu Lewis, “de que se vocês não conseguirem traduzir os seus pensamentos para uma linguagem inculta, então seus pensamentos ficam confusos. O poder de traduzi-las é a prova de realmente ter entendido o próprio significado delas.”[11] O pregador da Palavra de Deus, portanto, deve a sua igreja e a si mesmo se dar tempo suficiente antes de uma mensagem para falar sobre seus conceitos, talvez até mesmo para com pessoas que não têm formação em teologia.

A Simplicidade de Estilo

Muitas vezes (embora não o tempo todo), atender ao ponto básico de Lewis significa falar com uma linguagem simples, direta e comum, sempre que possível. Como parte de abordar o vernáculo do povo, o pregador também frequentemente procurará usar construções de frases perspícuas.

Frases longas, prolixas e complexas são tão difíceis de seguir numa página; mas pelo menos nesse caso, o leitor tem a oportunidade de lê-la novamente. Infelizmente, as palavras faladas não oferecem aos ouvintes essa oportunidade. Consequentemente, as frases devem encorajar, em vez de desencorajar, o ouvinte. Por esse motivo, Broadus exortou os pregadores: “Visem uma certa simplicidade na estrutura de suas sentenças, evitando períodos longos, intricados e complexos”.[12] Semelhantemente, Roy Peter Clark, um autor e não um pregador, encoraja autores e oradores a “preferir o simples ao invés do técnico. Use palavras, frases e parágrafos mais curtos em pontos de complexidade.”[13]

Robinson deu uma razão prática para seguir esse conselho. Resumindo Rudolf Flesch, que ficou famoso pelo teste de legibilidade de Flesch-Kincaid, Robinson escreveu: “A clareza aumenta à medida que a duração da frase diminui. Conforme a sua fórmula, um escritor claro terá em média cerca de dezessete ou dezoito palavras em uma frase e não permitirá que nenhuma frase vagueie em mais de trinta palavras.”[14] Lembre-se que: Robinson aplicou este princípio a leitores, que têm o luxo de desacelerar, acelerar ou reler. Os ouvintes, por outro lado, não têm sequer esse luxo.

Praticamente, esse conselho significa que o pregador deve procurar falar com frases curtas e simples, em vez de longas e complexas. Na dúvida, ele deve errar no lado da simplicidade. Ao mesmo tempo, ele deve trabalhar para evitar estruturas repetitivas e enfadonhas, mas trabalhar em direção a frases diversificadas e envolventes. 

Conclusão: A urgência da Perspicuidade

John Broadus acrescentaria um tom urgente e sério a esta discussão, dizendo que “o pregador é mais solenemente obrigado do que qualquer outra pessoa a tornar sua linguagem perspícua”.[15] Robinson também escreveu que: “Para os pregadores, a clareza é uma questão moral. Não é apenas uma questão de retórica, mas uma questão de vida e morte.”[16] O pregador dá testemunho àquele que tem as “palavras da vida eterna” (Jo 6.68). Mas de que adianta seu testemunho se seus ouvintes, para todos os efeitos, não conseguem entender o que está dizendo? Se os seus ouvintes realmente o ouvem, então o pregador deve pregar com um estilo apropriado de perspicuidade. “Como crerão naquele de quem não ouviram?” (Rm 10.14) Sim, ouvir requer comunicação por parte do pregador. Mas também requer compreensão por parte do ouvinte, a qual vem a partir da clareza.

 

 

Fonte: Rhetoric: Clarity in Preaching and Teaching[17]



[1] John Albert Broadus, A Treatise on the Preparation and Delivery of Sermons, 10th ed. (New York: A.C. Armstrong & Son, 1887), 25; também veja 320.

[2] Augustine, On Christian Teaching, Oxford World’s Classics, trans. R.P.H. Green (New York: Oxford University Press, 1997), 102. Ele também escreveu: “Visto que a retórica é usada para convencer tanto acerca da verdade quanto da falsidade, quem ousaria sustentar essa verdade, que depende de nós para sua defesa, permaneça desarmado na luta contra a falsidade” (101)

[3] Ibid., 117.

[4] J. C. Ryle, “The Simplicity of Preaching” (1888; repr., Carlisle, Penn.: Banner of Truth, 2010); acessível em http://gracegems.org/18/Ryle-%20Preaching.htm; acessado em 14 de Março de 2020.

[5] Ryle. Em relação ao número dois, Ryle escreveu que: “As palavras mais poderosas e convincentes, via de regra, são muito curtas”. Por em prática o número três significa “permitir que a mente de seus ouvintes respire.”

[6] Veja Robinson, 139-48. Também veja Gary Miller e Phil Campbell, Saving Eutychus: How to Preach God’s Word and Keep People Awake (Kingsford, NSW, Australia: Matthias Media, 2013).

[7] C.S. Lewis, “Christian Apologetics” (1945), em God in the Dock: Essays on Theology and Ethics, ed. Walter Hooper (Grand Rapids: Eerdmans, 1970), 93, 98. Outras obras em que Lewis traduz a mensagem cristã para declarações apologéticas a fim de que o homem comum a possa entender incluem: C.S. Lewis, The Problem of Pain (1940; repr., N. York: HarperCollins, 1996); C.S. Lewis, The Abolition of Man, or Reflections on Education with Special Reference to the Teaching of English in the Upper Forms of Schools (1943; repr., N. York: HarperCollins, 2001); C.S. Lewis, Miracles: A Preliminary Study (1947; repr., N. York: HarperCollins, 2001); C.S. Lewis, Mere Christianity (1952; repr., N. York: HarperCollins, 1980); e C.S. Lewis, Surprised by Joy: The Shape of My Early Life (1955; repr., N. York: HarperCollins, 1966).

[8] C.S. Lewis, “Modern Translations of the Bible” (1947), em God in the Dock: Essays on Theology and Ethics, ed. Walter Hooper (Grand Rapids: Eerdmans, 1970), 230.

[9] Veja John R.W. Stott, Between Two Worlds: The Challenge of Preaching Today (Grand Rapids: Eerdmans, 1982), cap. 4.

[10] Lewis, “Christian Apologetics,” 98.

[11] Ibid.

[12] Broadus, 348; também veja Gary Miller e Phil Campbell, Saving Eutychus: How to Preach God’s Word and Keep People Awake (Kingsford, NSW, Australia: Matthias Media, 2013), 149-50.

[13] Roy Peter Clark, “Fifty Writing Tools: Quick List,” Poynter, 30 de Junho de 2006; https://www.poynter.org/reporting-editing/2006/fifty-writing-tools-quick-list/; acessado em  24 de Março de 2020.

[14] Robinson, 140; veja Rudolf Flesch, The Art of Plain Talk (N. York: Harper, 1946), 38-39.

[15] Broadus, 340.

[16] Haddon W. Robinson, Biblical Preaching: The Development and Delivery of Expository Preaching, third edition (1980; repr., Grand Rapids: Baker Academic, 2014), 139.

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