Uma Contradição Ignorada entre a Estela de Merneptah e os Dados Arqueológicos
De acordo com a pesquisa arqueológica, a origem do povo israelita está associada com o surgimento de centenas de aldeias agrícolas, que começaram a surgir na região montanhosa central em 1.100 a.C. A Estela de Merneptah, contudo, documenta a existência de Israel em 1209 a.C. A presença desse grupo populacional antes deles deixarem qualquer remanescente arqueológico é um fato significante e ignorado nos estudos atuais.
Por Todd Bolen
Bibleplaces.com
Agosto de 2010
Este breve ensaio destina-se a destacar uma contradição entre dois fatos bem estabelecidos relacionados à origem do povo israelita na terra de Canaã. Essas conclusões tem mantido o consenso acadêmico por décadas, porém o conflito óbvio entre eles é ignorado ou os fatos são “ajustados” de modo a fazer a discrepância menos óbvia. A disparidade entre as fontes textuais e arqueológicas tem implicações significantes para a visão de consenso sobre a origem de Israel.
Levantamentos arqueológicos e escavações durante os últimos cinquenta anos revelaram uma explosão populacional na região montanhosa de Canaã, começando no século 12 a.C. Em seu levantamento arqueológico, Mazar declara que “o processo começou no início do século 12 a.C, na região montanhosa central e também se estendeu a Transjordânia e ao norte do Negev.”[1] Stager comenta sobre o “aumento extraordinário da população no Ferro I” e avalia que “deve ter sido a maior afluência de pessoas à região montanhosa dos séculos 12 e 11 a.C.”[2] Rainey e Notley escreveram que “a língua e a religião dos primeiros israelitas, evidentemente, se originaram na Transjordânia e foram levadas à Cisjordânia por pastores nômades no século 12 a.C.”[3] O processo de assentamento foi descrito por Callaway e Miller: “Durante os dois primeiros séculos da Idade do Ferro (c.a 1.200 a.C.), mais ou menos duzentos à trezentos pequenos assentamentos foram implantados na região montanhosa da Palestina.”[4] Finkelstein cuidadosamente considerou a datação desse novo movimento, afirmando que “os dados usados para atribuir o início do assentamento israelita no século 13 são, portanto, poucos e inconclusivos.”[5] Assim pode-se concluir que “Não há quase nenhum apoio arqueológico para datar o início do assentamento israelita antes do século 12 a.C.”[6] Os estudiosos estão em consenso que no início do século 12 a.C., centenas de pequenos assentamentos agrícolas foram fundados, podendo ser associados com o povo conhecido como israelitas.
A Estela de Merneptah, descoberta antes do trabalho arqueológico na região montanhosa central ter começado, cita o nome do povo de Israel como um dos inimigos do Egito durante o reinado de Merneptah (1213 – 1203). Embora quiséssemos que mais informações sobre Israel fossem registradas nela, alguns pontos importantes estão claros.[7] Primeiro, Israel é listado entre os inimigos derrotados pelo Egito. Segundo, Israel não é registrado como uma cidade, mas como um povo. Assim, em cerca de 1.209 a.C, um grupo real de pessoas foi conhecido no Egito como “Israel”. Deveriam ter sido consideráveis em tamanho e respeito, caso contrário, não teria justificativa a menção por Merneptah.[8] Sua afirmação sobre Israel que “a sua semente não é” é um exagero óbvio, porém como há uma, torna-se mais impactante se ele está descrevendo um grande inimigo.
Resumindo, as evidências arqueológicas indicam que o povo de Israel surgiu na região montanhosa central num processo complexo que não se iniciou antes de 1.200 a.C. A Estela de Merneptah testemunha um grupo populacional significativo que estava bem estabelecido em torno de 1.209 a.C. A questão óbvia é: onde estão os israelitas que lutaram com Merneptah no registro arqueológico?
Alguns, como Dever, estão conscientes desta disparidade, porém eles não resolvem a questão. Em vez disso, a abordagem preferida é agir como se não houvesse discrepância - sem suporte em evidências - que Israel deve ter começado a se estabelecer no final do século 13 a.C. Deste modo, até mesmo Dever pode escrever num artigo publicado recentemente em The Bible and Interpretation, “o que alguns acadêmicos bíblicos parecem fazer é a tal da arqueologia tapa-buracos.” Temos um registro arqueológico completo e contínuo do final do século 13 até o século 6, com nenhuma geração faltando.[9] Dever até contrasta num lugar o século 13 “cananita” com o século 11 “israelita”.[10] É legitimo Dever falar do “século 13-12 a.C, vilas [israelitas] recentemente trazidas à luz pela arqueologia”?[11] Ele não dá evidências das vilas do século 13, só afirma que, enquanto Finkelstein data o início do assentamento no final dos séculos 12 e 11, “eu creio que começou no século 13 a.C.”[12] A fé de Dever está aparentemente baseada sobre a Estela de Merneptah, apesar da falta de evidências da arqueologia.
Mesmo se permitirmos Dever e outros a, arbitrariamente mover a data inicial das vilas agrícolas do início do Ferro I até o final do Bronze Posterior II, o problema não está resolvido. Centenas de vilas agrícolas não podem aparecer do dia para a noite, mas são o resultado de um lento e complexo processo que teve lugar em diferentes épocas e ritmos por toda a terra de Canaã.[13] A semelhança cultural entre as cidades cananitas e as (assumidas) vilas agrícolas israelitas é indiscutível e, provavelmente, “resultado da convivência entre eles, dos padrões de casamento e do apoio mútuo ao longo do tempo.”[14] Halpern escreve que foi durante esse período de contato próximo que Israel assumiu gradualmente a sua identidade. “Ao longo dos séculos 13 e 12, uma consciência e solidariedade étnica floresceram em Israel.”[15]
Fato é que a Estela de Merneptah é uma verdade inconveniente, vindo antes do processo que os estudiosos assumem ter levado a uma consciência e solidariedade israelita. Um povo conhecido como Israel foi estabelecido, reconhecido, e organizado suficientemente para ser hostilizado pelo Egito antes dos arqueólogos afirmarem a sua existência.[16] Embora haja meros dez anos entre a Estela de Merneptah e o início do século 12, o ponto importante é que Israel é um grupo populacional estabelecido na Estela de Merneptah, enquanto o movimento de assentamento da região montanhosa só começou no início do século 12.
Mazar admite esse ponto em sua declaração que “os arqueólogos não tem conseguido descobrir os vestígios desse estágio inicial” do assentamento israelita.[17] Como os atuais estudos arqueológicos são desconhecedores da presença documentada de Israel, mesmo em 1.209 a.C, eles não são uma fonte confiável para nos informar sobre a existência de Israel antes dessa época.
Fonte: The Bible and Interpretation
Notas
[1] Amihai Mazar, Archaeology of the Land of the Bible, 10,000–586 B.C.E. (New York: Doubleday, 1990), 337.
[2] Lawrence E. Stager, “Forging an Identity: The Emergence of Ancient Israel,”em The Oxford History of the Biblical World, ed. Michael D. Coogan (New York: Oxford University Press, 1998), 134.
[3] Anson F. Rainey and R. Steven Notley, The Sacred Bridge: Carta’s Atlas of the Biblical World (Jerusalem: Carta, 2006), 112.
[4] Joseph A. Callaway and J. Maxwell Miller, “The Settlement in Canaan: The Period of the Judges,” in Ancient Israel: From Abraham to the Roman Destruction of the Temple, ed. Hershel Shanks (Washington, DC: Biblical Archaeology Society, 1999), 73.
[5] Israel Finkelstein, The Archaeology of the Israelite Settlement (Jerusalem: Israel Exploration Society, 1988), 321.
[6] Ibid., 353. Ele diz “quase” por causa de dois escaravelhos do Monte Ebal que “constituem a única, diretamente, peça definida de evidência arqueológica da existência de um sítio de Assentamento Israelita no final do século 13 a.C.” (321).
[7] Michael G. Hasel, “Israel in the Merenptah Stela,” Bulletin of the American Schools of Oriental Research 296 (1994): 45–61; Michael G. Hasel, “The Structure of the Final Hymnic-Poetic Unit on the Merenptah Stela,” Zeitschrift für die alttestamentliche Wissenschaft 116 (2004): 75–81.
[8] William G. Dever fala desse ponto em “Merenptah’s ‘Israel,’ the Bible’s, and Ours,” em Exploring the Longue Durée: Essays in Honor of Lawrence E. Stager, ed. J. David Schloen (Winona Lake, IN: Eisenbrauns, 2009), 92; cf. Callaway and Miller, “Divided Monarchy,” 79.
[9] Dever, “Merenptah’s ‘Israel,’ the Bible’s, and Ours,” 93.
[10] William G. Dever, Who Were the Early Israelites and Where Did They Come From? (Grand Rapids: Eerdmans, 2003), 98.
[11] Ibid., 206.
[12] Ibid., 154.
[13] Callaway and Miller, “Divided Monarchy,” 73, 76; Ze'ev Herzog, “The Beer-Sheba Valley: From Nomadism to Monarchy,” em From Nomadism to Monarchy: Archaeological and Historical Aspects of Early Israel, ed. Israel Finkelstein and Nadav Na'aman (Jerusalem and Washington DC: Yad Izhak Ben-Zvi, Israel Exploration Society and Biblical Archaeology Society, 1994), 149; Amihai Mazar, “Jerusalem and Its Vicinity in Iron Age I,” em From Nomadism to Monarchy: Archaeological and Historical Aspects of Early Israel, ed. Israel Finkelstein and Nadav Na'aman (Jerusalem and Washington DC: Yad Izhak Ben-Zvi, Israel Exploration Society and Biblical Archaeology Society, 1994), 91.
[14] Callaway and Miller, “Divided Monarchy,” 82; cf. Dever, Early Israelites, 125.
[15] Baruch Halpern, The Emergence of Israel in Canaan, Society of Biblical Literature Monograph Series, vol. 29 (Chico, CA: Scholars, 1983), 91.
[16] Acho irônico quando Dever (Early Israelites, 204) pergunta: “Será que a progressiva minimização de Finkelstein dos dados de Merneptah não tem nada a ver com o fato de ser inconveniente à sua teoria de colonos anônimos da região montanhosa?" Porém, os dados não são mais convenientes para Dever, embora ele não possa reconhecê-lo.
[17] Amihai Mazar, “The Iron Age I,” em The Archaeology of Ancient Israel, ed. Amnon Ben-Tor, trans. R. Greenberg (New Haven, CT: Yale University Press, 1992), 296.
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