Pular para o conteúdo principal

Uma Cartilha Sobre Graça Preveniente


Uma das melhores contribuições de John Wesley para a teologia foi a sua compreensão de graça preveniente. Em termos gerais, esta é a graça que "vem antes" – a graça que precede a ação humana e reflete o coração de Deus em buscar a sua criação. Ela testifica ser Deus o iniciador de cada relação com a criação. A graça preveniente é um ensino ortodoxo afirmado pela igreja histórica, porém ela torna-se distintamente wesleyana em seu alcance e escopo. Para John Wesley, a graça preveniente é acessível a todos de modo que não há um "homem natural" deixado num estado puramente caído, sem uma medida de graça restauradora de Deus. Além disso, a graça preveniente tem um sentido salvífico. Isto significa que o Espírito de Deus não trabalha apenas para restaurar certas faculdades da humanidade ou para limitar o pecado humano, mas em última análise, direciona as pessoas para a obra de Cristo. Esta é uma das marcas que posiciona Wesley aparte de Agostinho e de João Calvino. Embora não deva ser confundida com a graça justificadora, a graça preveniente ultrapassa a graça comum reformada, uma vez que ela envolve toda a obra preparatória do Espírito para sua aceitação do Evangelho.

A base para a obra preveniente de Deus como iniciador está firmemente enraizada na Escritura. A narrativa da Escritura testemunha um Deus que chama e busca as pessoas. Ele chamou Adão no jardim quando ele estava se escondendo da vergonha do pecado (Gn 3.9), quando Abraão partiu da casa do seu pai em Harã (Gn 12.4), e quando Moisés apascentava o seu rebanho (Ex 3.4). Jacó e Israel foram escolhidos para abençoar a terra por causa de uma promessa feita a Abraão, não porque eles eram significativos (Rm 9). O Novo Testamento está repleto de passagens que atestam o caráter de Deus como iniciador amoroso, especialmente como é revelado em Jesus Cristo. Lucas 19.10 diz: "Porque o Filho do Homem veio buscar e salvar o que se havia perdido." Só podemos amar, porque ele nos amou primeiro, e isso ele fez quando ainda éramos fracos (Rm 5.6; 1Jo 4.10,19; Jo 6.44). Se deixados por nós mesmos, e aqui se deve pensar no “homem natural” teórico de Wesley, seríamos absorvidos no pecado que leva a expressar a autodestruição e a separação eterna de Deus.

A boa notícia é que Deus agiu em Cristo e opera por meio de seu Espírito em trazer-nos a salvação. A teologia da graça preveniente de Wesley nos ensina que Deus está operando muito antes dos evangelistas da igreja, despertando o coração das pessoas para se tornarem as pessoas que ele pretende. Sua referência favorita era, talvez, João 1.9, que diz: "Estava chegando ao mundo a verdadeira luz, que ilumina todos os homens." (NVI) Percebe-se que Wesley leva a sério a universalidade das bênçãos oferecidas por Cristo e efetuadas pelo Espírito Santo (veja também Jo 12.32; Tt 2.11-14). Essa graça especial é a que Paulo fala em Atos 17.26-27, onde o propósito da providência de Deus na história é fazer com que as pessoas venham a buscá-lo e a conhecê-lo. Desta maneira, a graça preveniente é a presença de Deus no tempo e no espaço – em todos os lugares e em todos os tempos – preparando o mundo para ouvir o Evangelho.

Para John Wesley, a graça que vem antes é irresistível no sentido de que ela se aplica a bênçãos universais. Ela "não espera pelo chamado do homem", e ao fazê-lo o seu alcance é para todas as pessoas. Ela é salvífica no sentido em que ela é toda a obra preparatória do Espírito para graça justificadora, e assim o seu alcance está levando as pessoas à salvação. Para ter certeza, a graça preveniente levanta questões importantes sobre outros temas, como o destino dos não evangelizados e a teologia das religiões. Estes temas merecem uma análise mais aprofundada. No entanto, a universalidade dessa graça comporta bem com o caráter amoroso de Deus, que é fundamental para a teologia de Wesley e, certamente, para a Escritura também.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

BIOGRAFIA: Quem foi Jacó Armínio

Quem foi Jacó Armínio Jacó Armínio foi um teólogo holandês (1560 - 1609), nascido em Oudewater, Utrecht. Muito jovem tornou-se órfão de pai1 (Hermann Jakobs), que deixou uma viúva com três filhos pequenos para criar. A sua mãe (Angélica), irmãos e parentes morreram durante o massacre espanhol em Oudewater em 1575.2 O pastor Theodorus Aemilius adotou Armínio e o enviou para ser instruído em Utrecht, após a sua morte, coube ao professor Rudolph Snellius trazê-lo a Marburgo e o qualificar para estudar teologia na recém-fundada Universidade de Leiden (1576-1582).3 A sua formação teológica em Leiden, entre 1576 a 1582, incluiu os professores Lambertus Danaeus, Johannes Drusius, Guillaume Feuguereius e Johann Kolmann. Kolmann ensinava que o hiper-calvinismo transformava Deus em um tirano e homicida, sob a sua influência Armínio começou a elaborar uma teologia que competiria com teologia reformada dominante de Calvino. Em 1582, Armínio tornou-se aluno de Theodoro de Beza em Genebra. O

Jesus Ensinou Eleição Incondicional Em Mc 4.11-12?

Ele lhes respondeu: A vós outros vos é dado conhecer o mistério do reino de Deus; mas, aos de fora, tudo se ensina por meio de parábolas, para que, vendo, vejam e não percebam; e, ouvindo, ouçam e não entendam; para que não venham a converter-se, e haja perdão para eles. (Mc 4:11-12) Este texto gerou dúvidas em certos irmãos porque segundo alguns cristãos, Jesus estaria aqui ensinando a eleição incondicional. Tal texto não somente é impróprio para afirmar esta doutrina, mas também é um texto que demonstra claramente o gracioso sinergismo na salvação do ser humano. Não pretendo ser muito extenso na explicação e, portanto, vou me deter ao máximo nestes versículos. Para começar gostaria de trazer um comentarista bíblico de peso. John Wesley diz: Marcos 4.11 Aos de fora – Assim os judeus designavam os pagãos; também o nosso Senhor designa todos os incrédulos obstinados, portanto eles não entrarão em seu reino, eles habitarão nas trevas exteriores. Marcos 4.12

O Ordo Salutis arminiano e calvinista: um breve estudo comparativo

Por Ben Henshaw A ordo salutis é a "ordem da salvação". Ela enfoca o processo de salvação e a ordem lógica desse processo. A principal diferença entre a ordo arminiana e a calvinista recai sobre a fé e a regeneração. Estritamente falando, a fé não faz parte da salvação na ordo arminiana, uma vez que ela é a condição que se satisfaz antes do ato salvador de Deus. Tudo o que segue a fé é salvação na ordo arminiana, enquanto na ordo calvinista a fé é – de algum modo – o resultado da salvação. O que se segue é como eu vejo a ordo arminiana comparada com a ordo calvinista, juntamente com o porquê de eu achar teologicamente problemática a ordo calvinista. Ordo salutis arminiana: Graça preveniente Fé [União com Cristo] Justificação Regeneração Santificação Glorificação Notas sobre a ordo arminiana: Novamente, é importante notar que, estritamente falando, a graça preveniente e a fé não são parte da salvação, mas são necessárias para a salvação. A graça preveniente torna possível uma